O Depósito Judicial da Dívida Realmente Protege o Devedor dos Juros pelo “Atraso” do Pagamento?
Existe uma concepção no senso comum de que, uma vez depositado em juízo o valor de alguma dívida, visando questioná-la judicialmente, o devedor estaria resguardado dos encargos decorrentes do “atraso” no pagamento. Esta crença estava pautada no posicionamento bastante prevalecente no Poder Judiciário até o final de 2022.
Acontece que, ao julgar a Revisão do Tema 677 em 19/10/2022, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou um precedente que deve ser observado por todo o Poder Judiciário, alterando o posicionamento até então vigente. Atualmente, passou a se entender que, se o depósito judicial da dívida for feito sem o objetivo de pagar o débito, isto é, buscando questioná-lo em juízo, o devedor não ficaria isento de arcar com juros e correção monetária (caso não tivesse sucesso na discussão judicial da dívida). Nesses casos, seria necessário apenas abater, do valor efetivamente atualizado, aquele existente na conta judicial (que é atualizado conforme as diretrizes da instituição depositária, e, muitas das vezes, ocorre em percentual bastante inferior a outras modalidades de investimento).
Na prática, isso gera uma mudança bastante significativa, em razão da enorme diferença entre os critérios de atualização de dívidas no Poder Judiciário e de atualização do valor depositado judicialmente. Ou seja, enquanto o processo que busca questionar a dívida tem sua regular tramitação, o valor do débito tende a aumentar exponencialmente, em uma curva bem mais acentuada que aquele depositado judicialmente. Assim, possivelmente resultando na existência de um saldo pendente significativo ao final do processo.
Inclusive, em razão do grande impacto desta mudança de posicionamento sobre casos passados, esperava-se que o Superior Tribunal de Justiça modulasse os efeitos de sua decisão, isto é, que o novo precedente tivesse efeito apenas para os depósitos judiciais feitos após a sua publicação. Entretanto, recentemente, a Corte Especial entendeu por manter os efeitos da decisão sobre casos passados, em decisão bastante criticada no meio jurídico e que já foi objeto de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, a discussão acerca do tema ainda não finalizou, embora, por ora, deva se seguir o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
De toda forma, embora não existam ressalvas específicas nesse sentido no precedente, acredita-se que esta nova orientação não se aplica aos casos de depósito judicial de débitos de natureza tributária, pois o Código Tributário Nacional possui disposições específicas tratando do tema, de modo que se espera que o entendimento anterior continue valendo para estes casos. O mesmo ocorre com os depósitos feitos pela via das ações em consignação em pagamento, que foi objeto de expressa ressalva no novo precedente. Por fim, também não se aplica este precedente, ao menos em princípio, às dívidas trabalhistas, que possuem regramento específico e não estão sujeitas às decisões do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, diante das várias controvérsias que ainda surgirão em decorrência deste novo precedente, é importante sempre contar com uma assessoria jurídica especializada antes de tomar providências judiciais, para se ter prévio conhecimento dos riscos do depósito judicial da dívida com a finalidade de questioná-la judicialmente.