Quando vale a pena atualizar o valor contábil do imóvel herdado ou doado a pessoa física?
O impacto tributário é sempre um tema relevante quando se fala na transferência de uma propriedade imóvel.
Sabe-se que na herança e na doação de bens, aplica-se o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”). O ITCMD é um tributo de competência estadual, de modo que cada ente federativo pode definir o valor da alíquota aplicável, dentro do atual limite de 8% (oito por cento) sobre o valor dos bens transferidos.
Por sua vez, na compra e venda de bens imóveis, aplica-se, em regra, dois impostos: o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”), que tem competência municipal, e o Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital (“IRPF”).
O IRPF sobre ganho de capital é um tributo federal com alíquota progressiva, que se inicia em 15% (quinze por cento), sendo que a alíquota é calculada sobre a diferença entre o valor da venda e o valor de aquisição do bem.
Exemplificando: se você adquiriu um bem por R$100.000,00 (cem mil reais) e, anos depois, fez a venda desse bem por R$300.000,00 (trezentos mil reais), o tributo será calculado sobre a diferença entre esses valores – ou seja, sobre R$200.000,00 (duzentos mil reais).
Recentemente, vários embates têm sido travados no âmbito do judiciário acerca de uma possível cumulatividade entre o ITCMD e o IRPF na hipótese de herança ou doação.
Apesar de o tema já ter sido julgado algumas vezes pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”), ainda não há decisão com repercussão geral – o que gera uma certa insegurança jurídica.
A discussão ocorre porque, no momento que a Receita Estadual realiza o cálculo do ITCMD, ela o faz com base no “valor de mercado” do imóvel. Esse valor de mercado pode ser (e tende a ser) muito maior do que o valor contábil, que é aquele que está registrado no Imposto de Renda do proprietário inicial do bem. Essa diferença é natural e ocorre em função da valorização dos bens – especialmente imóveis.
É certo, portanto, que na herança e na doação será aplicado o ITCMD. A dúvida é: deve-se aplicar, também, o IRPF sobre o ganho de capital?
Se sim, haveria um cálculo da diferença entre o valor de mercado do bem e aquele que consta no Imposto de Renda do doador/sucedido.
O argumento contrário à cumulação, alega que é incabível falar em aumento de capital da pessoa que está transferindo um bem sem qualquer ganho financeiro. O fato é que o doador ou falecido não percebe nenhum ganho de capital com a transferência realizada.
Já o argumento favorável à cumulação, alega que o ganho de capital já era verificado ao longo do tempo, de modo que a transferência do bem é utilizado apenas como marco temporal para a apuração desse ganho.
Na prática, vem se verificando um entendimento que passa por uma importante decisão contábil que deve ser feita por aquele que recebe um determinado bem de forma não onerosa.
A lógica é que, só há cabimento para a cobrança de IRPF, na hipótese em que o recebedor do bem (herdeiro ou donatário) faz a atualização contábil a maior do valor do bem. Ou seja, pode caber a cobrança do imposto sobre ganho de capital quando o recebedor declara o bem, no seu Imposto de Renda, pelo seu valor de mercado, e não pelo valor anteriormente declarado pelo antigo proprietário.
A definição em relação a essa atualização deve ser uma faculdade do recebedor do bem, e não uma obrigação.
A princípio, verifica-se, portanto, uma vantagem em não realizar a atualização: você não precisa pagar o tributo no momento inicial. Na maioria dos casos, quando se fala em pagamento de tributos, as pessoas preferem adiar o pagamento do que realizá-lo de pronto.
Contudo, é preciso atentar-se à situação especial dos imóveis recebidos por herança ou doação. É sobre essas hipóteses que vamos discorrer a seguir.
Se o recebedor optar por não fazer a atualização do valor do imóvel para o valor de mercado, precisa estar ciente de que, no futuro, quando for fazer a venda desse imóvel, o IRPF sobre ganho de capital irá incidir sobre toda a diferença entre o valor de venda e o valor contábil – que estará desatualizado.
A princípio, isso não parece ser um problema. Ele estaria apenas pagando no futuro aquilo que não pagou no passado, somado ao que viria a pagar novamente pela valorização posterior.
Contudo, é preciso destacar que, sobre o cálculo do ganho de capital incidente na venda de imóveis, há alguns percentuais de redução que se aplicam, por previsão legal, em razão da depreciação e correção monetária.
O primeiro desses descontos está previsto na Lei nº 7.713, de 1988. Ela prevê um desconto variável para imóveis adquiridos até o ano de 1988 – quanto mais antiga a data de aquisição do imóvel, maior o desconto. O desconto vai desde 5% (cinco por cento), para imóveis adquiridos em 1988, até 100% (cem por cento) de desconto no tributo para imóveis adquiridos antes de 1969.
Os demais percentuais de redução estão previstos na Lei nº 11.196 de 2005. A lei prevê duas fórmulas de redução (FR1 e FR2). São fórmulas um pouco mais complexas do que a tabela fixa da lei de 1988. Contudo, o que importa é saber que, em qualquer caso – inclusive para imóveis adquiridos em anos recentes – haverá um desconto no valor da base de cálculo do tributo do IRPF por ganho de capital.
Esse desconto acaba fazendo muita diferença no valor final do tributo. Como demonstração disso, vamos utilizar o programa GCAP 2024, da Receita Federal, para fazer uma simulação.
Digamos que um bem imóvel foi vendido na data de hoje, 28/11/2024, pelo valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais). O seu valor de aquisição foi de R$300.000,00 (trezentos mil reais). Vamos alterar apenas uma informação: a data de aquisição.
- Se o imóvel foi adquirido em 28/11/2001, o tributo total devido será de R$35.312,32 (trinta e cinco mil trezentos e doze reais e trinta e dois centavos).
- Contudo, se o imóvel foi adquirido em 28/11/2022, o tributo total devido será de R$96.217,68 (noventa e seis mil duzentos e dezessete reais e sessenta e oito centavos).
Nota-se que há uma diferença muito grande no valor final do tributo, apenas em razão da data de aquisição. No exemplo citado, sequer utilizamos um imóvel adquirido antes de 1988, quando seria aplicado um percentual de redução adicional.
Mas qual é a importância disso diante de tudo o que estamos falando neste artigo? Vamos ilustrar com um caso hipotético.
Digamos que o seu pai adquiriu uma casa em 1990. No ano de 2024, ele doou essa casa para você, como parte de um planejamento sucessório. Digamos, agora, que em 2030 você decidiu vender essa casa para um terceiro. Qual será a data de aquisição do imóvel, informada para fins de aplicação dos descontos no tributo sobre o ganho de capital no momento da venda?
A data de aquisição do imóvel é aquela em que o imóvel passou a fazer parte do seu patrimônio. Ou seja, no caso hipotético acima, foi no ano de 2024.
Isso significa que o IRPF sobre o ganho de capital será calculado sobre a diferença do valor da venda e o valor da aquisição (aquele valor que está no seu Imposto de Renda) e que os descontos aplicados ao cálculo serão aqueles que incidirem até a data de recebimento da doação.
Se, no momento do recebimento da doação, você realizou a atualização do valor do bem no seu Imposto de Renda, você já pagou todo o tributo que seria devido entre 1990 e 2024, fazendo jus a um ótimo desconto pela depreciação. Naquela data, você atualizou o valor de aquisição do bem, de modo que, quando fizer a venda em 2030, o “valor de aquisição” será muito maior do que se você não tivesse atualizado, o que significa que o ganho de capital (diferença entre valor de venda e valor de aquisição) será muito menor.
Por outro lado, se no momento da doação você optou por não atualizar o valor do bem, você perdeu a chance de utilizar todo o desconto que seria aplicável entre 1990 e 2024. Assim, quando for vender o imóvel alguns anos depois, pagará a diferença entre o valor da venda e o valor da aquisição originária, feita muitos anos atrás, porém gozando de um desconto de depreciação muito menor.
Nota-se, portanto, que no caso aqui estudado, nem sempre é uma boa ideia “jogar para frente” o pagamento do tributo – porque ele pode acabar se tornando muito maior.
De forma sintética, pode-se dizer que quanto mais antiga for a data de aquisição do bem que está sendo doado, maior é o benefício em se fazer a atualização.
Da mesma forma, quanto maior for a probabilidade de que você venda esse imóvel em um curto, médio, ou até mesmo longo prazo, maior é o benefício em se fazer a atualização.
Evidentemente, estamos discorrendo aqui sobre fatos hipotéticos e teorias gerais.
É preciso saber que, na prática, cada caso é um caso. Portanto, este artigo não é uma consultoria legal ou uma regra inabalável. É preciso entender as pretensões do cliente e fazer todos os cálculos cabíveis, analisando cada variável, para entender qual é a melhor estratégia tributária a ser adotada.
No RUCR Law contamos com uma equipe especializada para lidar com todas essas questões.