por Wesley Bartolomeu Fernandes de Souz
A Azul Linhas Aéreas, uma das maiores companhias aéreas do Brasil, surpreendeu o mercado ao protocolar, na última semana, um pedido de Chapter 11 do Bankruptcy Code, a legislação falimentar norte-americana. A medida, que se assemelha a recuperação judicial brasileira e está somada a esforços anteriores de reestruturação no Brasil, foi tomada com o objetivo de reorganizar mais de US$ 9 bilhões em dívidas, grande parte delas junto a credores internacionais.
A decisão abre espaço para uma discussão jurídica relevante: por que uma empresa brasileira recorre ao sistema judiciário dos Estados Unidos? E mais: como esse pedido se diferencia, em essência e efeitos, de um processo de recuperação judicial no Brasil?
O que é o Chapter 11?
O Chapter 11 é um capítulo específico do Código de Falências dos Estados Unidos (U.S. Bankruptcy Code), cuja principal função é permitir que empresas em dificuldades financeiras promovam uma reorganização supervisionada judicialmente, sem, no entanto, interromper suas atividades operacionais. A empresa devedora mantém, em regra, o controle de suas operações como debtor-in-possession, enquanto negocia com credores um plano de reestruturação.
Trata-se de um instituto amplamente utilizado por grandes corporações multinacionais que, diante da complexidade e da internacionalização de seus passivos, encontram no sistema americano um ambiente jurídico estável, previsível e favorável à negociação com credores, especialmente quando esses se concentram nos mercados financeiro e de capitais dos EUA.
Empresas aéreas como LATAM Airlines, Avianca e Gol já recorreram ao Chapter 11 em momentos de grave estresse financeiro, o que demonstra a flexibilidade e a função de resgate econômico do mecanismo.
Por que a Azul optou pelo Chapter 11?
A Azul tem uma estrutura de dívida altamente dolarizada, com contratos internacionais de leasing, financiamentos e bônus emitidos no exterior. Esses contratos, em sua maioria, contêm cláusulas de eleição de foro e jurisdição estrangeira, especialmente nos EUA.
Assim, ao optar pelo Chapter 11, a companhia busca concentrar a negociação com seus principais credores sob uma única jurisdição, mitigando o risco de ações descoordenadas que comprometeriam a continuidade de suas atividades.
A empresa obteve um compromisso de financiamento DIP (debtor-in-possession) da ordem de US$ 1,6 bilhão, e já anunciou a intenção de converter parte de sua dívida em ações, além de buscar capital novo com possíveis aportes da United Airlines e da American Airlines.
Chapter 11 x Recuperação Judicial Brasileira
Embora ambos os institutos tenham como finalidade a superação da crise econômico-financeira e a preservação da atividade empresarial, existem diferenças significativas entre o Chapter 11 e a recuperação judicial brasileira prevista na Lei nº 11.101/2005.
Do ponto de vista estritamente jurídico, a principal distinção reside no grau de efetividade e amplitude da jurisdição. O Chapter 11 goza de reconhecimento internacional mais consolidado, inclusive com previsão de cooperação judicial entre Estados pela UNCITRAL Model Law on Cross-Border Insolvency, da qual os Estados Unidos são signatários. O Brasil, embora tenha aderido a essa convenção em 2020, ainda engatinha na construção de um ambiente institucional efetivamente globalizado para reorganizações empresariais.
Além disso, a lógica de aprovação do plano difere sensivelmente. No Brasil, exige-se aprovação por quóruns rígidos em cada classe de credores, conforme os critérios de valores e número de credores votantes.
Nos EUA, embora também existam classes, o juiz tem poderes mais amplos para aprovar o plano de reorganização mesmo sem o consenso de todos os credores (o chamado cramdown), desde que o plano seja considerado “justo e equitativo” (fair and equitable), e não viole a ordem legal de pagamento (absolute priority rule).
Em termos de financiamento, o Chapter 11 prevê expressamente a figura do DIP Financing (Debtor-in-Possession Financing), com prioridade sobre créditos anteriores, incentivando a injeção de recursos novos durante a crise. A legislação brasileira, por outro lado, não garante tratamento privilegiado a investidores ou financiadores durante o processo recuperacional, o que frequentemente afasta a liquidez e retarda o soerguimento da empresa.
Reflexos para o mercado e considerações finais
A Azul segue operando normalmente no Brasil e no exterior, com foco em preservar sua malha aérea, empregos e a confiança do mercado. O pedido de Chapter 11 não é sinônimo de falência, mas sim de reorganização. Do ponto de vista jurídico, é uma demonstração da importância de estruturas legais alinhadas à realidade globalizada das grandes companhias.
Para o Direito Empresarial, o caso reforça a necessidade de aprofundar o debate sobre a internacionalização dos processos de reestruturação. A Lei de Recuperação Judicial brasileira passou por reformas recentes, com a promulgação da Lei nº 14.112/2020, mas ainda carece de dispositivos eficazes para lidar com passivos transnacionais, realidade cada vez mais comum entre empresas brasileiras com atuação ou financiamento no exterior.
O caso Azul deve servir de estudo e inspiração para o aprimoramento do nosso sistema jurídico, aproximando-o das melhores práticas internacionais e promovendo um ambiente mais seguro e funcional para os negócios.