A sentença declaratória de falência acarreta inúmeros efeitos jurídicos às relações da sociedade empresária falida, sobretudo aos negócios jurídicos realizados no período que antecede à quebra. Nesse sentido, a legislação utiliza-se do termo legal da falência como um instrumento de proteção, determinando a ineficácia dos atos praticados pelo falido em determinado período e, assim, resguardando os credores de possíveis fraudes sobre o patrimônio da massa falida.
A fixação do termo possui grande importância pois, dessa forma, presume-se que a sociedade empresária falida já se encontrava em situação de insolvência desde então, de modo que todos aqueles com quem o devedor mantivera relações jurídicas no período suspeito, deverão submeter-se ao concurso de credores e às consequências da quebra.
Conforme estabelece o artigo 99 da Lei 11.101/2005, a sentença que decretar a falência deverá fixar seu termo legal, sem poder retroagir por mais de 90 dias contados do pedido de falência, recuperação judicial ou do primeiro protesto por falta de pagamento, excluindo-se, por força do dispositivo, os protestos que já haviam sido cancelados.
Discussão sobre o marco legal sobrevêm quando do pedido de autofalência, ou seja, quando a própria sociedade empresária utiliza do mecanismo falimentar ao, por sua própria iniciativa, protocolar o pedido falimentar e, assim, confessar que não possui meios de saldar seus débitos, seja em razão de crise econômico-financeira, seja por não se enquadrar aos requisitos da recuperação judicial.
Recentemente a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se manifestou e considerou como marco legal da autofalência, a data do pedido apresentado pela empresa. O entendimento reformou decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que, por sua vez, havia adotado a data da ação de despejo ajuizada meses antes. Foi a primeira vez que os ministros da corte analisaram a questão.
O julgado é decorrente de processo ajuizado em agosto de 2019 pela SMS Comércio de Materiais Elétricos, em que no mês de maio anterior, ocorreu uma ação de despejo com dação de bens (acordo para pagamento de dívidas por meio da entrega de bens) em que o juiz da falência considerou a fixação do termo legal como a data de ajuizamento desse processo.
O Tribunal do Rio Grande do Sul entendeu que a ação de despejo era condição suficiente para demonstrar o inadimplemento da empresa em relação a obrigação assumida. Dessa forma, considerou os 90 dias anteriores a data do início do processo de despejo (REsp 1890290) e não os 90 dias que antecederam o pedido de autofalência da empresa, que veio a ocorrer 3 meses depois.
Em seu recurso ao STJ, a sociedade alegou que, sem protestos contra ela, não havia razão legal para retroagir o período àquele previsto na legislação falimentar e, dessa forma, deveria ser considerado como marco legal a data do seu pedido de autofalência, e não da data do ajuizamento da ação de despejo.
Em concordância às razões levantadas pela recorrente, o Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, relator do caso, disse em seu voto ter havido pedido falimentar da própria empresa e não por credor, e que o Tribunal Estadual considerou data distinta do que dispõe o artigo 99 da Lei de Falências e Recuperação Judicial.
Ainda segundo o relator, não se trata de adotar o sistema legal de forma pura, porque existem outras normas na lei que fixam parâmetros diversos para a declaração de ineficácia de alguns atos ou que, por exemplo, falam em período suspensivo.
O relator salientou que não houve nenhum protesto contra e empresa e que, “Na hipótese de autofalência, inexistindo protesto contra a devedora, o termo legal deve ser fixado em até 90 dias antes da distribuição do pedido.”
Fonte: Jornal Valor Econômico, E1, de 23 de fevereiro de 2022.